Aproveitei para tirar um monte de dúvidas, uma delas sobre um programa novo que sua emissora havia colocado no ar. Uma coisa estranha, com apresentadores deslocados e conteúdo policialesco, repleto de sangue e com um comentarista que ficava o tempo todo falando a mesma coisa e repetindo cenas, um horror!. Minha dúvida era simples: como é que uma porcaria dessas é criada?
Será que um grupo de gente inteligente se reunia para discutir, elaborar e planejar a porcaria? Ou seria tudo obra do acaso? Ou então da sobrinha do dono, do amigo do diretor, da neta do político ou da mulher do patrocinador? E ela respondeu:
- Há um grupo de cabecinhas sim, Luciano! E a técnica que eles usam para a criação dos programas é o "e se?".
E então ela deu o exemplo de um programa baseado em notícias e amenidades, criado para ser apresentado nas manhãs. Um dia alguém notou que cada vez que uma notícia policial aparecia, a audiência aumentava. Então, numa das reuniões daquele grupo de cabecinhas, alguém disse:
- E se a gente aumentar as notícias policiais?
Pronto! O programa das manhãs ficou ensangüentado, histriônico, lacrimoso e barulhento. E a audiência cresceu... Pouco depois, surgiu uma apresentadora bonita que chamava a atenção do público e gerava audiência. Batata! Noutra reunião dos cabecinhas saiu esta:
- E se ela apresentar um programa policial?
Notícias policiais com apresentadora bonita? Pronto! A moça totalmente deslocada, passou a apresentar tragédias enquanto o comentarista com seu blábláblá vampiresco tomou conta das manhãs. E assim aquela programação baseada em notícias foi se transformando, apelando para as tragédias e a violência. Jornalismo? Bah! Tudo decidido na base do "e se?".
Tá certo, a audiência cresceu, mas ficou diferente. As pessoas que assistiam para ver as notícias, para saber das novidades, para ver a receita do bolo, aos poucos foram expulsas pelo sangue e violência. Mudaram de estação, desligaram a televisão, procuraram alguma atividade que preenchesse suas almas, seus espíritos, suas mentes, com coisas nutritivas. E a grande audiência que restou passou a ser composta de gente interessada em sangue. Em tragédias. Em desgraças. Gente que não quer estímulos criativos ou intelectuais. Gente que quer baixaria. Dor. Miséria e ódio. Audiência medida pela quantidade, jamais pela qualidade.
E quanto mais o programa se nivela por baixo, mais cresce o número absoluto da audiência. E gerentes de marketing e publicitários, excitados pela imensa audiência de pocotós, programam anúncios que vão dar razão aos cabecinhas:
- Viu só como estávamos certos?
Aí outra emissora vê o sucesso e copia. E assim vamos, construindo uma nação de idiotas.
Perguntei para a apresentadora como é que era conviver nesse meio, e a resposta veio, entre melancólica e conformada:
- Para os cabecinhas, sou um corpo estranho na emissora. Faço jornalismo...
Pois bem... O lixo só está lá por causa da audiência que, se você não dá, seu marido dá. Sua esposa dá. Seus filhos dão. Seu vizinho dá.
Seus empregados dão.
E se não dessem?
Luciano Pires
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